
A inclusão das despesas da capatazia na base de cálculo dos impostos incidentes na importação
Na nossa coluna iremos abordar uma questão tributária importante – inclusão das despesas da capatazia na base de cálculo do valor aduaneiro das mercadorias importadas – que tem antagonizado os contribuintes e o Fisco e que terá em breve uma conclusão, com o julgamento final da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça. Pretendemos, de forma breve, explicar os principais aspectos envolvendo esta relevante discussão judicial.
Como é de conhecimento geral, a Primeira Seção do STJ determinou a afetação de três recursos especiais (REsp 1799306/RS/REsp 1799308/SC e REsp 1799309/PR) para, sob o rito dos recursos repetitivos, definir tese relativa à inclusão de serviços de capatazia na composição do valor aduaneiro. Após essa afetação todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, deverão ter a sua tramitação suspensa e aguardar o julgamento final do STJ. A controvérsia foi cadastrada sob o Tema/Repetitivo nº 1.014 no sistema de recursos repetitivos.
Em sua enciclopédia aduaneira, Haroldo Gueiros, qualifica a capatazia como “a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações de uso público, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário.”
Já a Lei dos Portos (Lei nº 12.815/2013), assim é definido o conceito legal de capatazia:
Art. 40. O trabalho portuário de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações, nos portos organizados, será realizado por trabalhadores portuários com vínculo empregatício por prazo indeterminado e por trabalhadores portuários avulsos.
§ 1º Para os fins desta Lei, consideram-se:
I – capatazia: atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário;
Sendo assim, a grande controvérsia reside no fato da Instrução Normativa nº 327/2003 da Receita Federal do Brasil dispor que “estabelece normas e procedimentos para a declaração e o controle do valor aduaneiro de mercadoria importada” dispõe expressamente que:
Art. 4º Na determinação do valor aduaneiro, independentemente do método de valoração aduaneira utilizado, serão incluídos os seguintes elementos:
I – o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro;
II – os gastos relativos a carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas, até a chegada aos locais referidos no inciso anterior; e
(…)
3º Para os efeitos do inciso II, os gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional serão incluídos no valor aduaneiro, independentemente da responsabilidade pelo ônus financeiro e da denominação adotada.” (grifamos)
Como se nota, através da edição de um ato infralegal, a Receita Federal do Brasil determinou a inclusão de gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional, independentemente da responsabilidade pelo ônus financeiro e da denominação adotada na base de cálculo do valor aduaneiro.
Para melhor compreender a questão é adequado fazer uma breve abordagem histórica. Vale destacar que em 1947, prevalece o o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT/1947), dentre outras incumbências, estabeleceu o que viria a ser o valor aduaneiro da mercadoria. De igual modo, em 1979, na Rodada de Negociações ocorrida em Tóquio e promovida pelos países signatários do GATT, definiu-se o valor aduaneiro como o “preço efetivamente pago ou a pagar pela mercadoria”. Este acordo passou a ser definido como Acordo de Valoração Aduaneira (AVA) e, em 1994, com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), no final da rodada Uruguai, os acordos criados antes de 1994 acabaram sendo republicados, dentre eles, o GATT-1947. Desse modo, a denominação GATT 1994 trouxe todas as alterações e inclusões relativas ao valor aduaneiro, ocorridas de 1947 a 1994.
Efetuando essa análise histórica conclui-se que o conceito jurídico e a composição do valor aduaneiro nas importações de mercadorias foi estabelecido sob o prisma de um acordo internacional, com a finalidade específica de padronizar a base de cálculo dos tributos atrelados às operações de importação – no Brasil, o II, IPI, PIS e COFINS-Importação. Portanto, determinou-se que o valor aduaneiro é o valor efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas, acrescido do custo da carga, manuseio, transporte e seguro até o porto destino, razão pela qual o entendimento que é defendido pelos contribuintes é no sentido de que na base de cálculo do valor aduaneiro não pode englobar os gastos realizados após a chegada da mercadoria ao porto, ou seja, o valor da capatazia, sob pena de violação ao Acordo Internacional.
Antes da afetação da matéria ao julgamento pela Primeira Seção do STJ, determinada em 03.06.19, o Superior Tribunal de Justiça acolheu os argumentos apresentados pelos contribuintes, conforme se verifica pelo precedente abaixo de maio/2019:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR ADUANEIRO. DESPESAS COM MOVIMENTAÇÃO DE CARGA ATÉ O PÁTIO DE ARMAZENAGEM (CAPATAZIA). INCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 4º, § 3º, DA IN SRF 327/2003. ILEGALIDADE.
1. O STJ já decidiu que “a Instrução Normativa 327/03 da SRF, ao permitir, em seu artigo 4º, § 3º, que se computem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09, tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado” (REsp 1.239.625/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 4.11.2014).
2. Recentes julgados da Segunda Turma do STJ seguiram essa orientação: REsp 1.528.204, Rel. p/ acórdão, Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 9.3.2017, DJe 19.4.2017; REsp 1.600.906/SC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 2/5/2017; AgInt no REsp 1.585.486/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 22/5/2017.
3. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83 desta Corte: “Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.” 4. Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea “a” do art.
105, III, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 2.6.2010.
4. Recurso Especial não provido.
(REsp 1804656/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 17/06/2019)
Ao nosso sentir, a posição mais acertada é aquela defendida pelos contribuintes e que está espelhada no precedente acima citado. Não é possível (sob pena de violação ao Acordo Internacional do GATT) incluir o gasto com a capatazia na determinação do valor aduaneiro, pois, o que ocorre após a chegada da mercadoria no porto, não devem esses valores serem incluídos na composição do valor aduaneiro para fins de cálculo dos impostos incidentes na importação.
Esperamos que o STJ possa definir rapidamente esta questão para a questão seja pacificada em todo o território nacional e possa ser reduzido o contencioso tributário relacionado ao tema, dado que os valores envolvidos em decorrência da inclusão das despesas da capatazia no valor aduaneiro das mercadorias possui um grande relevo econômico.